domingo, 31 de agosto de 2008
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
Oscar Wilde - O Rouxinol e a Rosa
Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas – exclamou o Estudante – mas estamos no inverno e não há uma única rosa no jardim...
Por entre as folhas, do seu ninho, no carvalho, o Rouxinol o ouviu e, vendo-o ficou admirado...
_ Não há nenhuma rosa vermelha no jardim! – disse o Estudante, com os olhos cheios de lágrimas. – Ah! Como a nossa felicidade depende de pequeninas coisas! Já li tudo quanto os sábios escreveram. A filosofia não tem segredos para mim e, contudo, a falta de uma rosa vermelha é a desgraça da minha vida.
Eis, afinal, um verdadeiro apaixonado! – disse o Rouxinol. Tenho cantado o Amor noite após noite, sem conhecê-lo no entanto; noite após noite falei dele às estrelas, e agora o vejo... O cabelo é negro como a flor do jacinto e os lábios vermelhos como a rosa que deseja; mas o amor pôs-lhe na face a palidez do marfim e o sofrimento marcou-lhe a fronte.
Paul Celan
O poema é solitário.
É solitário e vai a caminho.
Quem o escreve torna-se parte integrante dele.
Mas não se encontrará o poema precisamente
por isso, e portanto já neste momento, na
situação do encontro - no mistério do encontro?
O poema quer ir ao encontro de um Outro, precisa desse Outro, de um interlocutor.
Procura-o e oferece-se-lhe. Cada coisa, cada
indivíduo é, para o poema que se dirige para o
Outro, figura desse Outro.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Florbela Espanca - Ser Poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além da Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Eugénio de Andrade - O sal da língua
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
Eugénio de Andrade - Os nomes
Tua mãe dava-te nomes pequenos, como se a maré os trouxesse com os caramujos. Ela queria chamar-te afluente-de-junho, púrpura-onde-a-noite-se-lava, branca-vertente-do-trigo, tudo isto apenas numa sílaba. Só ela sabia como se arranjava para o conseguir, meu-baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito. Assim te queria. Eu, às vezes.
Florbela Espanca - Que diferença !
Dalai Lama
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Bernardo Soares - Livro do Desassossego
Não sei que vaga carícia, tanto mais branda quanto não é carícia, a brisa incerta da tarde me traz à fronte e à compreensão. Sei só que o tédio que sofro se me ajusta melhor, um momento, como uma veste que deixe de roçar numa chaga.
Pobre da sensibilidade que depende de um pequeno movimento do ar para o conseguimento, ainda que episódico, da sua tranquilidade! Mas assim é toda sensibilidade humana, nem creio que pese mais na balança dos seres o dinheiro subitamente ganho, ou o sorriso subitamente recebido, que são para outros o que para mim foi, neste momento, a passagem breve de uma brisa sem continuação.
Posso pensar em dormir.
Posso sonhar de sonhar.
Vejo mais claro a objectividade de tudo. Uso com mais conforto o sentimento externo da vida. E tudo isto, efectivamente, porque, ao chegar quase à esquina, um virar no ar da brisa me alegra a superfície da pele.Tudo quanto amamos ou perdemos - coisas, seres, significações – nos roça a pele e assim nos chega à alma, e o episódio não é, em Deus, mais que a brisa que me não trouxe nada salvo o alívio suposto, o momento propício e o poder perder tudo esplendidamente
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
no meio do nada
Difícil manter os olhos abertos diante do cenário monotamente conhecido. A janela do autocarro emoldurava uma paisagem cinza e molhada. As varetas já reumáticas do limpador do párabrisas chiavam um protestozinho ritmado. E a voz: moço! moço! para que lado este ônibus está indo? Pelo jeito o motorista também vinha lutando para manter os olhos abertos, custou a atinar com a pergunta. Olho para o lado e vejo um pescoço jovem e branco, tatuado com o que parece ser um sol azul, de carta de tarot, aparecendo pela metade sob a gola do blusão pesado. Sabe? um tipo de sol gordinho, com bochechas e raios bonachões a espalhar simpatia. Cabelo curto, brinco de pedrinha branca brilhante na orelha direita. Será que é único ou tem um par correspondente na outra orelha? Também eu custo a acordar e atinar com a pergunta do rapaz. Ou será uma mocinha? Difícil ver sob tanta roupa de inverno, a voz é rouca.. Finalmente o motorista consulta o cobrador pelo espelho: ouvi mesmo isto? a meio caminho do destino alguém tem dúvida? E a moça - sim, é uma mocinha! - insiste: para que lado estamos indo? O motorista, vencido, afinal abre a boca: Pelotas.
Ela volta-se e diz: Dormimos! e agora? e de novo ao motorista: a gente ia só até ao trevo, queremos ir para Porto Alegre. Onde é isto aqui? É uma cidade? Dá para voltar?
Nova troca de olhares entre o motorista e o cobrador. Afinal são duas mocinhas. O que é mesmo uma mocinha? uma mulher jovem? ingênua?
Resolvem parar logo na próxima parada para que elas, já quase em Pelotas, peguem transporte para o lado oposto. Mas passa mesmo ônibus aqui? parece o meio do nada. Aqui é cidade? Parece não ter percebido que estavam num ônibus que passava mesmo ali naquele pedaço do nada. O ônibus pára. Descem as meninas. A outra era miúda, cabelos longos, presos, tingidos, com as raizes escuras a gritarem afogadas em cajú.
O ônibus arranca em meio ao nada cinza e molhado, e lá ficam elas à berma da estrada. A miúda sentada no abrigo, pernas cruzadas, com um chapéu de chuva nas mãos a rir. A outra a saltitar em volta dela, gesticulando seus protestos, planos, argumentos.
Alguns quilômetros mais tarde fico matutando se imaginei aquela cena bizarra. Vai ver foi uma miragem causada pela monotonia...uma alucinação!
Mas não, aquele sol azul e gordinho encimado pela Vésper tão brilhante existiu mesmo.Talvez tenha surgido para impedir que o motorista sucumbisse ao compasso da chuva. Ou para nos fazer perceber que todo caminho, por mais conhecido e batido que seja, reserva sempre uma surpresa na próxima curva ou no próximo abrigo de ônibus.
Por que tenho sempre que arranjar essas explicações esotéricas? ai que este ônibus não chega nunca! quero meu chocolate quente!
Ela volta-se e diz: Dormimos! e agora? e de novo ao motorista: a gente ia só até ao trevo, queremos ir para Porto Alegre. Onde é isto aqui? É uma cidade? Dá para voltar?
Nova troca de olhares entre o motorista e o cobrador. Afinal são duas mocinhas. O que é mesmo uma mocinha? uma mulher jovem? ingênua?
Resolvem parar logo na próxima parada para que elas, já quase em Pelotas, peguem transporte para o lado oposto. Mas passa mesmo ônibus aqui? parece o meio do nada. Aqui é cidade? Parece não ter percebido que estavam num ônibus que passava mesmo ali naquele pedaço do nada. O ônibus pára. Descem as meninas. A outra era miúda, cabelos longos, presos, tingidos, com as raizes escuras a gritarem afogadas em cajú.
O ônibus arranca em meio ao nada cinza e molhado, e lá ficam elas à berma da estrada. A miúda sentada no abrigo, pernas cruzadas, com um chapéu de chuva nas mãos a rir. A outra a saltitar em volta dela, gesticulando seus protestos, planos, argumentos.
Alguns quilômetros mais tarde fico matutando se imaginei aquela cena bizarra. Vai ver foi uma miragem causada pela monotonia...uma alucinação!
Mas não, aquele sol azul e gordinho encimado pela Vésper tão brilhante existiu mesmo.Talvez tenha surgido para impedir que o motorista sucumbisse ao compasso da chuva. Ou para nos fazer perceber que todo caminho, por mais conhecido e batido que seja, reserva sempre uma surpresa na próxima curva ou no próximo abrigo de ônibus.
Por que tenho sempre que arranjar essas explicações esotéricas? ai que este ônibus não chega nunca! quero meu chocolate quente!
domingo, 17 de agosto de 2008
Beto Guedes - Quando entrar setembro...
Quando entrar setembro
E a boa nova andar nos campos
Quero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou
Juntos outra vez
Já sonhamos juntos
Semeando as canções no vento
Quero ver crescer nossa voz
No que falta sonhar
Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa inventar
Uma nova canção
Que venha nos trazer
Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender
Aprender
Circo
Vai, vai, vai começar a brincadeira
Tem charanga tocando a noite inteira
Vem, vem, vem ver o circo de verdade
Tem, tem, tem picadeiro de qualidade
Corre, corre, minha gente que é preciso ser esperto
Quem quiser que vá na frente, vê melhor quem vê de perto
Mas no meio da folia, noite alta, céu aberto
Sopra o vento que protesta, cai no teto, rompe a lona
Pra que a lua de carona também possa ver a festa
Bem me lembro o trapezista que mortal era seu salto
Balançando lá no alto parecia de brinquedo
Mas fazia tanto medo que o Zezinho do Trombone
De renome consagrado esquecia o próprio nome
E abraçava o microfone pra tocar o seu dobrado
Faço versos pro palhaço que na vida já foi tudo
Foi soldado, carpinteiro, seresteiro e vagabundo
Sem juízo e sem juízo fez feliz a todo mundo
Mas no fundo não sabia que em seu rosto coloria
Todo encanto do sorriso que seu povo não sorria
De chicote e cara feia domador fica mais forte
Meia volta, volta e meia, meia vida, meia morte
Terminando seu batente de repente a fera some
Domador que era valente noutras feras se consome
Seu amor indiferente, sua vida e sua fome
Fala o fole da sanfona, fala a flauta pequenina
Que o melhor vai vir agora que desponta a bailarina
Que o seu corpo é de senhora, que seu rosto é de menina
Quem chorava já não chora, quem cantava desafina
Porque a dança só termina quando a noite for embora
Vai, vai, vai terminar a brincadeira
Que a charanga tocou a noite inteira
Morre o circo, renasce na lembrança
Foi-se embora e eu ainda era criança
Sidney Miller
Hino do Rio Grande do Sul
Como aurora precursora
Do farol da divindade
Foi o vinte de setembro
O precursor da liberdade
Mostremos valor constância
Nesta ímpia injusta guerra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra
De modelo a toda terra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda terra
Mas não basta pra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo
António Gedeão - Poema de domingo
Aos domingos as ruas estão desertas
e parecem mais largas.
Ausentaram-se os homens à procura
de outros novos cansaços que os descansem.
Seu livre arbítrio algremente os força
a fazerem o mesmo que fizeram
os outros que foram fazer o que eles fazem.
E assim as ruas ficaram mais largas,
o ar mais limpo, o sol mais descoberto.
Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas
e espetarem o ventre e alargarem os braços
no amplexo de amor que só eles conhecem.
O olhar aberto às largas perspectivas
difunde-se e trespassa
os sucessivos, transparentes planos.
Um cão vadio sem pressas e sem medos
fareja o contentor tombado no passeio.
É domingo.
E aos domingos as árvores crescem na cidade,
e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas.
Tudo volta ao princípio.
E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas
e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras
levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo,
enquanto o transeunte,
no deslumbramento do encontro inesperado,
eleva a mão e acena
para o passeio fronteiro onde não vai ninguém.
e parecem mais largas.
Ausentaram-se os homens à procura
de outros novos cansaços que os descansem.
Seu livre arbítrio algremente os força
a fazerem o mesmo que fizeram
os outros que foram fazer o que eles fazem.
E assim as ruas ficaram mais largas,
o ar mais limpo, o sol mais descoberto.
Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas
e espetarem o ventre e alargarem os braços
no amplexo de amor que só eles conhecem.
O olhar aberto às largas perspectivas
difunde-se e trespassa
os sucessivos, transparentes planos.
Um cão vadio sem pressas e sem medos
fareja o contentor tombado no passeio.
É domingo.
E aos domingos as árvores crescem na cidade,
e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas.
Tudo volta ao princípio.
E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas
e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras
levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo,
enquanto o transeunte,
no deslumbramento do encontro inesperado,
eleva a mão e acena
para o passeio fronteiro onde não vai ninguém.
sábado, 16 de agosto de 2008
Ipê rosa - Tabebuia pentaphylla
É o primeiro dos Ipês a florir no ano, inicia a floração em Junho,
mas ainda pode ser encontrado com flores até Setembro.
Esta espécie se confunde bastante com outras também de flor
roxa, como a Tabebuia impetiginosa e a Tabebuia heptaphylla,
porém trata-se de uma espécie exótica, proveniente da Argentina.
Formigas
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Caetano Veloso - Trem das Cores
A franja na encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar
Teu cabelo preto
Explícito objeto
Castanhos lábios
Ou pra ser exato
Lábios cor de açaí
E aqui, trem das cores
Sábios projetos:
Tocar na central
E o céu de um azul
Celeste celestial
Mario Quintana - Se o Poeta Falar Num Gato
Se o poeta falar num gato, numa flor,
num vento que anda por descampados e desvios
e nunca chegou à cidade...
se falar numa esquina mal e mal iluminada...
numa antiga sacada... num jogo de dominó...
se falar naqueles obedientes soldadinhos de chumbo que morriam de verdade...
se falar na mão decepada no meio de uma escada
de caracol...
Se não falar em nada
e disser simplesmente tralalá... Que importa?
Todos os poemas são de amor!
Ricardo dos Reis - Cada coisa a seu tempo
Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.
À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,
E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do Sol) —
Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos
Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Pêssegos da casa de D. Gabriela !
Ingredientes:
1kg de pêssegos
1 xícara (chá) de açúcar cristal
2 xícaras (chá) de água
Modo de Preparo:
Em uma panela pressão, coloque os pêssegos, o açúcar e a água e tampe a panela. Quando apitar, deixe somente 5 minutos. Destampe a panela e deixe esfriar.
Alexandre O´Neil - O Ciclista
Alberto Caeiro - Tejo
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
Poemas são pássaros.... - Mário Quintana
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
Drummond - Hortênsia
A professora me ensina
que Hortênsia é saxifragácea.
Mas no moreno de Hortênsia,
na cabeleira de Hortênsia,
no busto e buço de Hortênsia,
o que eu diviso é uma graça
mais estranha que a palavra
saxifragácea.
O namorado de Hortênsia
me ensina coisas diversas
do ensino da escola pública.
Eu sei, eu percebo, eu sinto
que Hortênsia (existe a palavra?)
é sexifragrância.
terça-feira, 12 de agosto de 2008
Saudades de Lisboa - Ary dos Santos
No castelo, ponho um cotovelo
Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaz-se o novelo
De azul e mar
À ribeira encosto a cabeça
A almofada, na cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo
Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura
Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida
No terreiro eu passo por ti
Mas da graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua
E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar
Lisboa no meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida
o amor da flor de cactus
Eu quero o amor
Da flor de cactus
Ela não quis
Eu dei-lhe a flor
De minha vida
Vivo agitado
Eu já não sei se sei
De tudo ou quase tudo
Eu só sei de mim
De nós
De todo o mundo
Eu vivo preso
A sua senha
Sou enganado
Eu solto o ar
No fim do dia
Perdi a vida
Eu já não sei se sei
De nada ou quase nada
Eu só sei de mim
Só sei de mim
Só sei de mim
Patrão nosso
De cada dia
Dia após dia
O Patrão nosso de cada dia - João Ricardo
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